segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Palavras cegas de um poeta vencido, de Carlos Barros

Um milhão de palavras em vão, em vão

Cada uma, sem porém ou mas ou exceção.

E não há sol, nem fada e nem preposição

Que vá ligar de novo o nosso elo rompido.

E dentre inúmeras receitas que tenho lido,

Não achei, para o tempo, regressão.

 

 

Lembranças boas sei que são, que são

Da lua, são do mar, do teu portão.

Mas nenhuma se faz mais do que um porão,

Onde estou com o peito ao meio, em pó, puído.

Tendo só o silêncio gritando-me ao ouvido

As dores que te fiz, minha paixão.

 

 

Não mais comer teu pão, teu pão

De leite e amor, farinha e mão,

Que em matrimônio tomaria, são,

Traz o pavor de todo pavor de ver partido

Meu sonho de ser só teu, de ser o único, ser marido.

Tal sonho, agora, habita o reino Inconclusão.

 

 

Feliz, na rua, é o cão, é o cão,

Pois tem os restos da tua refeição,

Que traz teu amor em cada grão,

Que tanto e tanto eu teria, com entrega, comido.

Mas, hoje, com palavras cegas, sou poeta vencido.

Sem achar o verso da reconciliação.

 


Dor eterna é o que me dão, me dão

As carícias, as malícias, os desejos sem vazão.

Sentimentos órfãos, sem achar filiação,

Rogam por retornar ao teu colo quente e despido.

Em angústia, eu espero que tenha te convencido

Do quão justo será o teu perdão.

 

 

E não repita o teu não, teu não

Que destrói tanto ou mais que um vulcão.

Assim, verás que os meus ditos cessarão.

Não os de afeto, nem de volúpia; os mal proferidos.

Como os mais belos dos amantes, então, conhecidos:

Num paraíso, tu minha Eva, eu teu Adão.

 

4 comentários:

  1. É um poema lírico amoroso, que não transborda mas está bem cheio de romantismo, com direito a tudo o que eu gosto e o que eu não gosto num poema romântico. Do que não gosto: poemas sobre relacionamentos amorosos, especialmente se o eu-poético se dirige à pessoa amada. Do que gosto: o uso dos recursos poéticos externos (a rima, o metro, o ritmo) para criar um poema regularmente musical e agradável ao “ouvido da mente”. O recurso mais criativo, e que ganhou minha inteira simpatia, foi o emprego dos ecos nos primeiros versos de cada estrofe.

    No aspecto gramatical, fiquei com apenas umas dúvidas, é interessante notar que, mesmo o poema sendo todo ele rimado, a escolha gramatical não pareceu esdrúxula, a ponto de uma ou duas palavras darem a impressão de terem sido encaixadas apenas para não perder o esquema das rimas (AAABBA). Dessas, só achei desproposital – ou passível de uma substituta – é “ser marido”. Desse modo, temos um vocabulário acessível, o que não tira o mérito do poema.

    O eixo do poema é referido textualmente: o arrependimento do eu-lírico e a esperança de obter do outro, a pessoa amada, o perdão. Para expressar seu sentimento de culpa, vale-se (aí sim) de diversas comparações: o amor e as palavras, o arrependimento e o porão, o amor e o pão, o amor e os restos da comida, a tensão amorosa-sexual e a orfandade, a repulsa da amada e um vulcão, e, por fim, o desejo de ser como o primeiro casal. Aí, encontrei um ponto interessante em que pensar: afinal, qual foi o “pecado” desse eu-lírico-Adão? Sabe-se que provou do fruto de alguma Árvore do Conhecimento, e humilha-se para tentar ser perdoado. Se há uma metáfora central, e que deschaveia todo o poema, é essa comparação com o casal original. Sabe-se que há, sem sombra de dúvida, um pecado. E um pecador arrependido.

    É um bom poema, Carl, e ganha ainda mais a minha admiração por seu trabalho. Parabéns pela estréia nos Poemas da Semana.

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  2. Corajoso e consitente na forma e no conteúdo. A priori nada tenho contra poema lírico desde que se o autor fala da relação amorosa não se deixe levar pelo apelo fácil do poema com endereço. O poema que é mensagem para o ser amado. E que me deixam excluída porque é cifrado, uma vez que a mensagem tem receptor marcado, certo. Respeito quem faz mas não me afeta, não me encanta.
    Aqui não acontece isso. O poema vem nesses ecos no apelo persistente e delicado. contundente.
    Gostei das aliterações das palavras com início e p:despido, pão , partido, pavor. P de paixão?
    Sei lá..mil coisas.
    Achei o poema um tanto quanto çongo, mas não prejudica o todo. Apenas um gosto muito mais meu. Prefiro poemas mais enxutos embora veja aqui a necessidade do poeta dizer muito do que lhe afetava.
    Só ficou uma questão: Adão e Eva como os amantes primários, primordiais. Nunca vi assim esse par mítico. Sempre os vi como início de procriação, de casal obediente a Deus e arrependido.
    Muito bom, muito bem.
    Voilà aos p´róximos poemas. Abraços a todos e um especial ao Carlinhos que estreou com primor.

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  3. Muito bom, Compulsiva Ruby-Beatriz. E você, começou com tudo também!

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  4. Muito obrigado pelo comentário, cara Compulsiva!

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