segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

[À minha volta livros e livros], de Henry Bugalho


À minha volta livros e livros.

Todo o saber do mundo ao alcance de minha pálida mão,

Mas que farei com tudo isto que não me pertence?

Serei melhor conhecendo o conhecimento conhecido por outros?

 


Não seria melhor se eu me lançasse ao mundo

Buscando minhas próprias respostas

E traçando o conhecimento futuro?

 

Não serei eu mais feliz se, ao invés de receber,

Também eu pudesse um pouco dar?

 

Mas sou fraco,

Preguiçoso,

Vergonhoso.

 

Prefiro mil vezes a tranqüilidade de minha cama,

O conforto dos livros ao alcance dos braços,

A certeza de que a verdade está contida em folhas

E espargidas por entre aqueles caracteres belos e distantes.

 

Não quero buscar respostas, tampouco criar verdades,

Pois mesmo àquelas certezas que recebo de peito aberto

Ponho todas em dúvida com um simples bocejar.

E reclino minha cabeça sonolenta no travesseiro

Sonhando as aventuras que nunca viverei

Mas que também não quero jamais viver.

9 comentários:

  1. i) Criatividade: Por se tratar de um texto confessional, reflexivo e “auto-inquisitivo”, buscando um ritmo poético através de linhas descontínuas. Como reflexão, vale. Como poema, não: trata-se de prosa.

    ii) Uso adequado da linguagem: sem problemas. Achei até que em alguns pontos poderia ser mantida a ordenação dinâmica da prosa. Por exemplo, o verso “Também eu pudesse um pouco dar?”, se houvesse a intenção de buscar uma rima, seria mais aceitável. Como está, destoa.

    iii) Metáfora: inexistente.

    iv) Demais comentários: Há um texto que muito me influencia no tocante a minha introdução à crítica de poesia, que é do professor Massaud Moisés, em que ele elenca algumas possibilidades para identificar o que se chamaria “Fenômeno Poético”. Entre esses elementos, um deles seria a tensão entre “razão e emoção”. Um poema em que haja desequilíbrio tanto para um quanto para outro lado dessa “balança”, a poesia seria prejudicada: excessiva emoção nada mais é que lirismo vazio; excessiva razão é prosa. O presente texto é um primor: trata-se de valiosa revelação de um estado íntimo, de conflito entre o que o poeta quer para si e o que talvez possa querer, se tivesse ânimo, vontade, motivação para fazer “algo pelos outros”. Não que no texto inexista a tensão entre emotividade e racionalidade, cuja existência dá-se única e exclusivamente no íntimo. O que falta aqui é essa mesma tensão no ato da expressão. O autor optou por abordar esse dilema de modo mais direto e claro possível. Sem jogo com significantes, sem apelar para a própria emotividade. Não me autorizo uma crítica ao posicionamento do autor – que é um posicionamento autêntico, e que leva qualquer leitor à reflexão. Esse nível de auto-crítica, e por conseguinte, de “dedo-na-moleira” do leitor, é raro, e difícil atingir. O que falta ao autor para que esse texto seja um poema é o apelo: para a emoção estética, para o estranhamento, para as múltiplas interpretações, para o arrebatamento. Como está, é uma rica e honesta crônica cujas linhas são interrompidas em determinada altura para reiniciar logo abaixo – e que não perderia nada se fosse disposta em linha contínua.

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  2. Olá,
    Henry, em primeiro lugar muito prazer.

    Criatividade: À minha volta livros e livros, é uma prosa poética, a meu ver. Ou uma prosa que poferia ser vertida em poema. Um belo exercício esse. já tentei fazê-lo e pode dar certo. Aqui vejo, como recurso poético, uma tentativa de utilizar o que chamo de corrente, ou reverberação como o utilizado em Tecendo a manhã, por João Cabral.
    Um galo sozinho não tece uma manhã;
    ele precisará de outros galos.
    De um que apanhe esse grito que ele
    e o lance a outro; de um outro galo
    que apanhe o grito que um galo antes
    e o lance a outro; e de outros galos(...)

    e por aí vai numa costura que pega a ponta de um verso e une a outro. Tecendo, unindo os gritos, o tempo.

    Aqui, percebi isso na imagem do poeta (eu poético, se quiserem) cercado de livros e mais livros e dúvidas que fazem eco nas interrogações em gerúndio: conhecendo o conhecimento conhecido. tudo às voltas com o saber em volta dos livros que , à sua volta. A idéia de que nesse círculo de textos há mais do que fora dele, ou não. que fora do círculo pode haver mais mas basta estar ali para não mais saber se quer o que deseja. Essa vertigem quase foi conseguida aqui.quase porque em relação ao uso da linguagem poética senti pouco tensão, estranheza.
    Está confuso: se há certeza de algo logo depois de tantas voltas com buscas e questões vem a afirmação de que não se busca. essa contradição poderia dar tensão ao texto mas falta alguma pitada de humor e fica na preguiça. não sei se preguiça ou uma evitação de se confrontar com a dificuldade de tornar dizível o mal-estar com as palavras, os caracteres belos e distantes porque não se deixaram apanhar na teia significante do poeta. Senti uma desistência, uma capitulação. Nada mal se isso fosse mais explorado de forma menos descritiva mais enigmática. veja, não quero dizer de forma hermética, como se só o poeta soubesse do que se trata, mas enigmática - diferente do segredo- capaz de afetar o leitor. Você me perguntaria, como fazê-lo? quem sabe esticando o mal-estar do poeta com esse cerco, esses tantos sentidos e significados em que está mergulhado mas não dá conta e aí se diz fraco, preguiçoso, vergonhoso mas não se diz confuso, perdido, desamparado. Acho que agora veio melhor a iamgem pra mim. você começa dando a impressão de que vai mostrar a perdição, o labirinto, a perda do fio e, logo, desiste sonolento numa demostração de irritação, de frustração que poderia ser dita de maneira poética ao se demosntrar perdido na linguagem. você deu sentido antes de me deixar perder-me nas frases e palavras do seu texto onde vc se perdeu antes e fez questão de se achar no sono, na preguiça, na vergonha. não, henry, vc poderia tensionar isso mais e mais.
    bem, se me extendi demais , peço desculpas e confesso que seu texto dá idéias, instiga á escrita sobre o tema da escrita, do fazer poético. e aí fica a questão: Por que não deixar a palavra em paz? Usá-la para criar imagens, organizar essas imagens num poema, apenas, o que já é muito. A desculpa é que o artista se preocupa com o seu instrumento de trabalho. Mas deveríamos?
    eu já fiz isso em alguns poemas. é irresistível. minha dúvida não é pra negar esse fazer mas para lançar uma discussão que poderiámos fazer em outro tópico.

    Sugiro, Henry, que vc retrabalhe o texto, revirando, dando mais voltas sobre ele mesmo, permitindo se perder nos livros, palavras que se dão e se furtam do alcance da mão? ou dos dedos da poesia, da trama dos versos? amão é pálida por que? Falta tensão nela. quer prender o significado mas solta antes.

    Ai, ai quem se perdeu fui eu.

    abraços gerais

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  3. Criatividade: É um texto bem pessoal, porém acho que é mais uma prosa poética do que uma poesia.

    Uso da linguagem: Sem problemas

    Metáfora: Não encontrei nenhuma, o texto é bem direto.

    Comentário: Sinceramente, nunca gostei desse tom de auto piedade que se encontra inserido nesse texto (a não ser que seja um conto, e essa qualidade, por mais irritante que seja, seja necessária à algum personagem). Acho que o tom de confissão pode ser mantido, mas o texto tem que ser revisado, tem que ser tornado mais "poesia".

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  4. Um texto sonâmbulo que não grita, nem implora,nem canta, nem chora: confessa simplesmente, conta, diz palavra a palavra sem deixar que brote a emoção, que ela passe entre linhas, nem que seja como uma oração ou uma raiva. Para poema, eu acho, falta-lhe choro ou riso ou ao menos tontice ou se fosse loucura. Ele não tem disso, vai cambaleándo sem fazer transgressão de fala, que cada palvra e cada frase tem esse precio significado; assim dito, este texto é prosa e a sua criatividade está assente apenas no facto de ser ele coisa nunca antes dita ou, melhor pensando, talvez seja criativo dizer desse modo salteado nas linhas o que podia ser feito com parágrafo e ponto.

    Eu pegaria nele e fazia um uso da linguagem mais de molde a ripar palavra, a dispensar uma ou outra preposição, tempo de verbo ou mesmo frase
    e escrevia num dia de emoção de modo que ela passasse enroladinha em cada entrelinha

    (perdoa o desaforo, Henry, mas foi o que fui escrevendo a seguir a ler o seu poema, mas eu não percebo de literatura e menos ainda de poesia...)

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  5. e ainda mais me perdoe que eu ouso e reesecrevo

    Livros e mais livros.
    Todo o saber do mundo ao alcance da mão.
    A minha pobre e pálida mão.
    Mas que farei com tudo isto?
    Que farei eu com este saber que não me pertence?
    Serei eu melhor, conhecendo,
    Aprendendo o conhecimento conhecido por outros?

    E se eu me lançasse ao mundo?
    Se eu buscasse minhas próprias respostas?
    Se eu traçasse conhecimento futuro?
    Se ao invés de receber, eu der um pouco …
    Não serei eu mais feliz?


    Mas vejo-me fraco, preguiçoso, vergonhoso.


    Eu a preferir mil vezes a tranqüilidade do meu leito
    O conforto dos livros ao alcance dos braços
    A certeza de que a verdade está contida em folhas
    Espargida em caracteres belos e distantes.

    Não quero buscar respostas
    Tampouco criar verdades
    Se eu mesmo as certezas que recebo
    Ponho todas em dúvida num simples bocejar
    E reclino a cabeça sonolenta no meu travesseiro
    E fico-me a sonhar:

    Aventuras que jamais quero viver
    Aventuras que nunca viverei

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  6. Criatividade:

    Achei interessante a mescla do “estilo reflexivo” com o “estilo preguiçoso”. Isso caiu muito bem e creio que seja o ponto forte do poema. Acho que essa dualidade “ir para o mundo em busca de repostas” X “vou ficar aqui no meu travesseiro” poderia ser mais explorada. Um trecho que ficou muito bom:

    “Pois mesmo àquelas certezas que recebo de peito aberto
    Ponho todas em dúvida com um simples bocejar.”


    Linguagem:

    “Serei melhor conhecendo o conhecimento conhecido por outros?” – sei que a idéia aqui foi brincar com as palavras, que é muito válida em poesia, mas, neste caso específico, creio que não ficou legal. Talvez fique melhor trocando “conhecimento” por “saber”.

    “E espargidas por entre aqueles caracteres belos e distantes.” – entendi que “espargidas” refere-se à “verdade”, então, deveria ser “espargida”, no singular.

    “Pois mesmo àquelas certezas...” – estou na dúvida, mas acho que não deveria haver crase em “aquelas”.


    Metáfora:

    Como citei no item “criatividade”, o ponto forte, a meu ver, está na dualidade “reflexão X acomodação”. Notei duas partes no poema. A primeira faz questionamentos sobre o saber. A segunda parece jogar um balde água fria na primeira, ignorando-a. Esse jogo de “saber-e-não-saber”, “se-incomodar-e-não-se-incomodar” ficou bom. Quanto ao lirismo e à capacidade metafórica em si, no geral, penso que faltou brincar mais com os significados e interpretações. A poesia está escrita de forma muito direta, quase prosa.


    Sugestões:

    A tentativa de jogar com as palavras, expressa no verso “Serei melhor conhecendo o conhecimento conhecido por outros?”, foi ótima. Apesar de eu achar que não pegou bem, creio que deveria se investir nisso, até chegar num ponto ideal. Poesia sem rimas ou jogo de palavras, para ser boa, tem que ter um conteúdo violentamente profundo e tocante, o que é muito difícil de se alcançar. Sugiro, então, que se ouse mais na escolha dos termos e no manuseio das palavras para que a construção fique mais poética.
    Valeu como primeira análise, Henry. Continue investindo!

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  7. Não sei se mais alguém ainda vai comentar o texto, mas darei minhas respostas às análises (e responderei eventuais comentários posteriores depois).

    Primeiro, vou esclarecer alguns elementos sobre a "psiqué" do personagem que escreve o poema.
    Frederico Galhardo é uma espécie de heterônimo, posto que eu, Henry, nunca escrevo poemas. No entanto, o ofício de poeta para Frederico é um dilema, é um confronto com o qual ele não consegue se reconciliar. Jornalista por formação, ele possui a tendência a ser mais prosaico que poético e, mesmo quando ele adota formas como o soneto, por exemplo, ele sempre acaba quebrando, em algum momento, a versificação ou a métrica. Ele não é um poeta por vocação, mas por insistência, por tentativa e erro (e, segundo ele, sempre "mais erros").
    E como o misantropo que é, Frederico mandaria todo mundo que não gostou do poema tomar no cu, inclusive a mim, que enviei para o Estúdio o poema dele sem comunicá-lo. Ele simplesmente abomina críticas, abomina os leitores e abomina os poetas. E é desta contradição que ele extrai boa parte de seus temas.

    Tendo esclarecido isto, vamos para as análises propriamente ditas.

    ***

    "O que falta ao autor para que esse texto seja um poema é o apelo: para a emoção estética, para o estranhamento, para as múltiplas interpretações, para o arrebatamento."

    Acho que neste ponto, Volmar, entramos num sério problema de definição. Talvez a definição "do que é um poema? seja muito mais complicada do estipularmos o que é um conto.
    Se voltarmos nosso olhar para o advento do poema, com os poemas épicos hindus, gregos, ou sumérios, perceberemos que o encadeamento poético nada mais era do que uma maneira inteligente (?) para facilitar a memorização e a transmissão do saber. A rima e métrica eram técnicas que permitiam ao ouvinte, através da musicalidade, facilitar a memorização.
    Uma lida em Homero é uma demonstração de que o objetivo principal da obra é a narração da história da guerra entre Gregos e Troianos, ou sobre a viagem de volta de Odisseu. É um poema épico.
    Agora vêm duas questões:

    1 - Ilíada é menos poética porque se trata dum enredo bastante evidente, sem muito sentido velado?

    2 - E a tradução das obras de Homero? São poemas épicos ou não, levando em consideração que o único resquício de poesia restante é a versificação, sem rimas nem métrica?

    É claro que a nossa noção tradicional de poesia deriva da lírica, especialmente da poesia lírica do Romantismo. Mas mesmo no século XX, temos vários exemplos de poemas que nada se assemelham com os poemas clássicos, nem me parecem ter aquela tensão entre razão e emoção.
    Além disto, se se aceita que o texto acima é uma prosa poética, entramos num outro problema, já que muitos aceitam a prosa poética como um gênero da poesia, portanto, continuaria sendo poema, independente de não ter musicalidade, nem metáforas, nem a tal tensão.
    Frederico é um poeta evidentemente influenciado por Álvaro de Campos e Walt Whitman. Às vezes, chega até a ser irritante ao tentar imitar os estilos deles.
    Darei três exemplos:
    "O Poema em Linha Reta"
    http://www.secrel.com.br/jpoesia/fpesso34.html

    Os poemas que traduzi de Whitman para a SAMIZDAT
    http://samizdat-pt.blogspot.com/2008/02/folhas-da-relva-de-walt-whitman.html

    E "O ter deveres, que prolixa coisa!" de Álvaro de Campos
    http://www.secrel.com.br/jpoesia/facam102.html

    Quer dizer, se considerarmos os textos acima como poemas, não vejo razão objetiva (ou me expliquem) para que o texto de Frederico também não possa sê-lo.

    E como quase todos os comentários seguiram nesta orientação, numa oposição entre poesia-prosa poética, acho que meu esforço maior é para compreender esta distinção.

    ***

    Agora, minha interpretação do poema.

    Acho que este poema (ou prosa poética, ou prosa apoética em versos...) diz muito sobre o conflito entre o eu-lírico de Frederico, o desejo por viver e a inaptidão em conseguir isto.
    Ele se contenta com o vasto mundinho contido nas prateleiras, apesar de acreditar que há muito para além disto. No entanto, talvez justamente porque ele não tem coragem, ou vontade, para extrapolar seus limites que ele tem de recorrer a fórmulas prontas e a sempre dizer o mesmo, e a sempre se contentar com interpretações prévias.

    Abraços a todos e obrigado pelos comentários.

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  8. Bom, depois de o Frederico me mandar tomar no cu, que mais posso dizer?

    Desejo o dobro para você.

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  9. Definir o que é poema é uma discussão interessante.

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