sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O Lago

O Lago, Tarsila do Amaral, 1928.

Perto de onde moro
Há um lago
Nado, mergulho
vejo sentimentos
coisas escondidas
emaranhados
e a água turva

Vejo a mim
um garoto jovem
que pouco sabe
mas sonha
gradiosas
Feliz, se devaneia
e vive intensamente

Ora enegrece
e pela água turva
surge flutuando um velho
é a própria morte - doentia
traz consigo a Tristeza
e o redor desseca
eu também, me encolho e choro

As estrelas vêm
se entapetar na superfície
são gotas brancas n'agua negra
reluzentes, lindas
eu as toco com
a ponta dos dedos
e engelece meu corpo

Caminho pelo água
de mãos dadas
com um vulto
vou e venho
no farfalhar da maré
canto o amor
a noite, o lago me renovam

O lago cochicha
em meus ouvidos
me mostra tudo
sou uma parte dele
ele parte de mim
entrelaçados, partimos
somos um vivendo noutro.

2009

4 comentários:

  1. Oi Guilherme
    Tens uma forma bem clássica de "poetar", mas já deves saber disso, né?

    Gostei da antagonia estabelecida entre as metades do poema. Vejo nele a linha do tempo a afetar e amargurar o eu-lírico.

    Só não entendi o sentido do "gradiosas", na segunda estrofe. Ao meu ler, tal palavra pareceu... deslocada.

    De qualquer forma, é um belo poema. (remeteu-me um pouco ao mito de Narciso).

    E a imagem escolhida coube como uma luva!
    (Tarsila é mesmo uma maravilha!)

    Gostaria de saber se foi ela, a obra, a inspiração do poema... Ou se, depois de escrito, escolheste uma imagem que bem o retratasse (eu faço assim).

    Abraços.

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  2. Olá!
    Obrigado pelo elogio.
    Eu tinha feito esta poesia assim como está aí, com o nome "O Lago". Dias depois fui a uma papelaria comprar uns materiais que precisa e encontrei um livro sobre Tarsila, estava ralativamente barato, e resolvi comprar. Adoro pinturas também. Aí vi este quadro no livro: encaixe perfeito!

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  3. Guilherme, sem querer ser chato e gramatiqueiro, acho que você está precisando rever algumas coisas. Não para que seu texto fique coeso e unívoco - aliás, não ser unívoco é a razão de ser da poesia. É que, para ser passível de ser lido de várias maneiras, e de um texto poético o ser por outras razões além de estar disposto em versos, eu sugeriria uma atenção um pouco maior às normas que regem o idioma.

    Vamos a elas:

    1) O que significa a expressão "mas sonha/grandiosas"? O verbo sonhar pode ser tanto intransitivo ("o garoto sonha") quanto transitivo direto ("o garoto sonha algo"). Por haver aquele complemento nominal, o adjetivo "grandiosas", é de se supor que deva haver um objeto para o verbo "sonhar". Portanto, você engoliu uma parte do verso, e a coisa ficou sem sentido.

    2) "são gotas brancas n'agua negra": o acento em "água" não caiu com a nova ortografia. Eu acho...

    3) "e engelece meu corpo": bom neologismo.

    4) "caminho pelo água": erro de digitação - eu espero.

    Ademais, falando sobre o poema em si: é bem bacana. Como em outros poemas do Guilherme, cria-se uma atmosfera onírica, em que as coisas surgem e partem, como num sonho. Mas o que eu achei mais bacana é que, neste aqui, o questionamento não envolve o enlace amoroso inatingível/idealizado como em outros textos do autor, mas a passagem do tempo: o amadurecimento, a chegada da velhice, associada à Tristeza (assim, com letra maiúscula), em oposição ao ser Feliz (assim, com letra maiúscula também) da juventude. Na 5ª estrofe acontece um "Canto o amor", mas, neste poema, cantar o amor não carrega a mesma conotação que noutros do mesmo autor.

    Entretanto, cumpriu única e exclusivamente a tarefa de criar essa situação de sonho, como uma prosa poética, com um enredo bem evidente. A metáfora fica nesse nível raso. Mas, para fugir dos poemas de amor, já é um bom começo. Continue, que é esse o caminho. Amor é pra fazer; pra escrever, escreva sobre coisas grandes, como a velhice.

    Se não, vai ficar um velho amargurado e triste como este que vos fala.

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  4. Só para complementar, o verbo "sonhar" também pode ser (e é a maneira mais usada)transitivo indireto: verbo (sonhar) + preposição (com).

    Um pouquinho de gramática normativa nunca fez mal a ninguém.

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