terça-feira, 6 de outubro de 2009

enxurrada





nada se faz com a luz
a chuva vai continuar caindo
o Todo mantém seu movimento
e os átomos partirão sem saudades
dos corpos que sustentaram

ainda restará o tempo
as horas marcadas na via pública
um bueiro ou outro regurgitando
as mazelas de uma enchente
os dejetos da vida alheia

verbos e versos prolixos
linhas barrentas quase
na altura do forro
a oratória e a sofisticação
dentro e fora das casas

nada se faz com a luz
há sol e é dia outra vez
que fim tem essa aurora
e o tempo novo dado, assim
gratuitamente?
prefiro, antes, a enxurrada



10 comentários:

  1. Correnteza a lavar o que for preciso. Vertida do céu ou dos olhos... não importa...

    Lindo poema...

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  2. Olá,
    estou muito afastada. Desculpe se volto de quando em quando.
    Fazia tempo não lia sua poesia.
    gosto de seus temas.
    Esta enxurrada é, a meu ver, uma prosa poética.
    As enchentes trouxeram empatia do poeta que não se conteve e jorrou aqui seu sentimento solidário. belo. volmar quase sentimental? Um presente;)0
    saudades de todos.
    saindo , aos poucos, ( bem aos pouquinhos da reclusão necessária).
    beijo

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  3. O Volmar sentimental não me surpreendera, às vezes a sensibilidade está intrínseca nas entrelinhas, o V. é assim, mostra e não demonstra, depende de sua vontade, certíssimo. Seguramente o poema será oportuno para alguém, e se não for, o quê que tem? Não se deve escrever pensando em satisfazer a vontade de alguém.
    A composição está de acordo com os periódicos, já pensaste em mandar para o Jornal da Cidade? Do estado? Da região? Rs.
    De fato as produções do nosso amigo são inteligentes e muito bem articuladas, nunca dadas de bandeja, não servem para um público ignorante, espero não cometer equívocos em minha interpretação, nem ir longe demais, quiçá até o Sul. (Xiii, a viagem será longa, rs.)
    Enxergo a lamentação, a explanação da esperança ilusória. A desesperança, o desespero, a fuga, a fuga para onde não há saída. Os restos de um espetáculo deselegante, destroços, alagamento, arrasamento. O querer ser solidário, o perder das forças, o rendimento. O Preferir enxergar o que convém para a luz não encadear os olhos.

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  4. Espero o fim do prazo para responder aos comentários. Obrigado a todos por enquanto.

    Mas, para quem ainda não comentou - especialmente para a Taty, que fez a sua leitura: meus poemas tratam, em geral, da linguagem. A maior parte dos meus poemas trata desse assunto, e o uso das metáforas é no sentido de abordar algum aspecto da linguagem.

    Nesse poema, não é diferente.

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  5. Falando do meu "jeito" de escrever poemas, a Taty acabou fazendo uma ótima interpretação exatamente desse aqui.

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  6. Antes de mais nada, agradeço muito pelas leituras.


    Fazendo alguns comentários aos comentaristas.

    1) "Vertida do céu ou dos olhos... não importa...": minha poesia não tem intenção de fazer verter nada dos olhos, não. Peco por não ser sentimental, mas a verdade é que simplesmente não gosto disso. Bom, ruim... não sei. É como eu sou.

    2) "Esta enxurrada é, a meu ver, uma prosa poética.": .... bom, é e não é. É um tema prosaico, falado com expressões prosísticas, mas... ainda é um poema (porque em verso, porque multívoco, porque metafórico, porque anarrativo e, mesmo sendo bem diluído, há uma cadência própria). É poema, Bea.

    3)"sentimento solidário" - Sim, em qualquer sentido. Me penalizo pelas pessoas que perdem até a privacidade por causa da intempérie - e da má organização urbana. Pena que minha solidariedade pare por aí... sou um verdadeiro fracasso no que diz respeito a ajudar os outros materialmente, e mesmo moralmente. Não sou bom em dizer boas palavras.

    4) "volmar quase sentimental": não. Usei a desgraça alheia para fazer metáforas cheias de raciocínio lógico, sem envolver meus sentimentos nisso. Pode esquecer...rsrsrs. É preciso um mínimo de sensibilidade para fazer poesia, e é dentro desse limite (o mínimo) que procuro me manter. Mais que isso, não sou eu.

    5) "Não se deve escrever pensando em satisfazer a vontade de alguém"... só a minha, Taty.

    6) "nunca dadas de bandeja, não servem para um público ignorante": uia! Não servem para um público sem imaginação, ou interessado em outras coisas que não a poesia. Há quem goste mais de futebol que poesia, e eu não acho todos ignorantes. Eu não sei jogar bola, e não morro de amores pelo meu clube... mas que meus poemas não são dados de bandeja, isso não são mesmo.

    7) Gostei da interpretação da Taty, que transcrevo: "A desesperança, o desespero, a fuga, a fuga para onde não há saída. Os restos de um espetáculo deselegante, destroços, alagamento, arrasamento. O querer ser solidário, o perder das forças, o rendimento."

    Mas esse poema trata de mais do que a enchente, propriamente dita. De certo modo, esse poema se identifica tematicamente tanto com o poema da Ju, desta última rodada ("O Nada") quanto com o da Marcia ("Transparências"): a inexorabilidade do tempo - ou de forças sobre as quais não temos controle; sobre a comunicação, que é sempre difícil, sempre condicionada ao ambiente, à história, ao acaso, às probabilidades, à linguagem; à problemática da poesia, que além de todos os problemas que já existem na comunicação, que precisa ser objetiva para comunicar (a luz, o dia...), a poesia deseja (sic) ser esquiva, torrencial (a linguagem poética).

    O mais das vezes, esse assunto é reincidente em meus textos.

    Era isso por enquanto.

    Muito obrigado, mais uma vez, pelas leituras.

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  7. Gosto de suas auto-análises, se conhece bastante e assim não entrarás fácil em uma crise existencial. Muito bom, muito bem! Rs, rs... Te quiero, chico.

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  8. "não entrarás fácil em uma crise existencial."

    Bah, tá aí um risco que nem eu, nem as outras personalidades que compartilham este corpitcho corremos. Quando enjoo de uma, mudo para a outra.

    As mais trabalhosas são as que duram menos tempo na ativa.

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  9. Tô devendo o comentário, pois ainda reflito sobre o teu poema. Quando eu "desencantar", escrevo algo que preste (assim espero)!
    Beijus

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  10. Queria trocar idéias e textos com você.
    Deixo meu email para contato:
    eliana.mara@gmail.com

    Abraços

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