quinta-feira, 25 de junho de 2009

Funeral marítmo

grito

um gosto salgado
nauseante
chega-me aos cantos da boca
alguém à bordo morreu

por um vento inconcebível
vago à deriva
jogado pelas correntes
possivelmente louco,
temeroso, mas ciente do meu destino
renego os nomes que carrego
e na ciência da vontade que me habita
agarro-me ao silêncio
o pouco dele que ainda me resta

o meu silêncio não é só
à hora de dizer, nada
a boca salgada e a voz calam
o coração das coisas não ditas
pulsa ainda, vivo, feliz
porque o realizado
tem o infortúnio de existir
somente se está morto

ao meu silêncio fazem companhia
as ditosas frases esperançosas
e mesmo as esperanças
felizes, livres de vir ao mundo
pois não há quem as julgue
ou rejeite

mais delas estariam vivas
se ninguém as proferisse
ou quisesse pôr fim às dores alheias
mas alguém à bordo morreu

não lhes acendo velas
nem lhes guardo a cabeceira
do leito derradeiro
não as limpo
nem as visto com uma mortalha digna
- mereciam, mas não o faço -
pobres defuntas
desperdiçadas

consola-me apenas
lançá-las ao mar
deixar que essa imensidão decida
que rumo tomarão
submergirão, esquecidas
ou consumidas pelas coisas inomináveis
que fazem com que tudo aquilo que cai no mar
torne-se, vivo ou morto,
também o mar

consola-me o mar
meu silêncio não está só
sei, pois carrega as pobres mortas
e o vento, outra vez, leva-me adiante

14 comentários:

  1. Pois bem, Vezito, farei eu as honras da casa.
    (que infortúnio, não?)

    Esse teu poema é tão épico que renderia outras boas obras adjacentes (bom, pelo menos eu fiquei imaginando o antes e o depois da estória e isso é ótimo)

    Destaco aquilo que eu considero como os pontos altos - E, já de chegada, nos primeiros verso encontro:

    "renego os nomes que carrego
    e na ciência da vontade que me habita"

    /na ciência da vontade que me habita/
    sem dúvidas, o melhor verso!

    Depois, há estrofes inteiras que poderiam ser destacadas - excelentes, "redondas"
    (não no sentido teórico, mas sim no sonoro e lexical) - alguns bons exemplos:

    " o meu silêncio não é só
    à hora de dizer, nada
    a boca salgada e a voz calam
    o coração das coisas não ditas
    pulsa ainda, vivo, feliz
    porque o realizado
    tem o infortúnio de existir
    somente se está morto
    (uau!)

    ...

    "...submergirão, esquecidas
    ou consumidas pelas coisas inomináveis
    que fazem com que tudo aquilo que cai no mar
    torne-se, vivo ou morto,
    também o mar"

    (Aqui vê-se a fusão "gente/coisa" - alma da poesia clássica - que beleza!)


    Realmente, merece um minuto de silêncio,
    pois sua seriedade e intensidade épica definitivamente não combinariam com meus "Yupis" clássicos.

    Vezito - amei!
    Parabéns.

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  2. Mr.V,

    Vale revisão de texto? O seu poema merece uma.

    Está maravilhoso, concordo com a Ju, mas eu modificaria a pontuação em alguns lugares (o que, também, poderia ser coisa minha, eu colocaria vírgulas em lugares que você não acharia necessário, cada autor escreve de um jeito diferente) e algumas crases que vc colocou não deveriam estar lá.

    Reviso textos, daí é impossível não notar esses detalhes, mas é coisa pequena.

    Só observo porque, se fosse para publicação em livro, por alguma editora, a revisão deveria ser feita.

    Trecho que destaco, que mais gostei:

    ao meu silêncio fazem companhia
    as ditosas frases esperançosas
    e mesmo as esperanças
    felizes, livres de vir ao mundo
    pois não há quem as julgue
    ou rejeite

    Estre trecho, para mim, lança uma luz no meio do poema, já tão cheio de sombras, desde o título, mesmo que logo após vc tenha escrito "mais delas estariam vivas....."

    "Um gosto salgado", mais parece "um gosto amargo", "um gosto de morte", a morte perpassando o poema inteiro.

    Queria achar uma palavra melhor do que simplesmente "parabéns", não achei, mas senti, me emocionei realmente com o que você transmitiu em todas as suas palavras.

    Fatima

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  3. Obrigado às meninas pelos elogios.

    Fátima: meus poemas são propositalmente pobres em sinais de pontuação. Procuro fazer as pausas nos finais de versos, e as mudanças de sentença entre as estrofes. Só acrescento vírgulas quando penso que são realmente necessárias, como enumerações ou conjunções adversativas (que, aliás, nem precisariam...). Outro ponto são as iniciais maiúsculas: também não uso. Esse estilo não é gratuito - copiei-o, sem nenhum pudor (e digo-o também despudoradamente) da Marcia Szajnbok.

    É isso.

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  4. Vê, meu anjo...

    Seu poema é bonito e suas palavras muito bem escolhidas.
    Mas confesso que não o entendi por inteiro, o conjunto...
    (Vistas separadas, as frases são belas)
    Também não sei se o certo é deixar a história, o sentimento muito claro.
    -É questão de ponto de vista? Certo... Nunca agradaremos todos os leitores-
    Mas não sei se é só impressão (espero que seja) que te preocupas demais com as palavras, e deixa o “enredo” complicado (repito dizendo não sei se essa é a intenção... Mas poetas geralmente gostam de extravasar e expor o que estar a sentir, em suas obras. )
    O li três vezes (em dias diferentes)... e da primeira jurava que o ‘xis’ da questão, a resposta da minha pergunta, o desenrolar do poema estaria no último verso.
    E ainda não descobri o quê estavas realmente a sentir. Logo não me identifiquei.
    Mas achei o poema bonito e misterioso. ( serás que não estás querendo mesclar os gêneros ? seus contos e seus poemas? rsrs)
    Só toma cuidado nessa questão... que por mais que eu seja meio ‘tapada’ e não entenda muito bem as coisas, as letras, o poema... sempre existirão leitores assim.
    Logo temos que escrever para eles, expor algo nosso... mas que fique compreensível.
    (Por sinal, já que tenho a oportunidade de conhecer o autor, me explica como foi a produção de seu poema e o que estava a sentir... )

    Bj, cariño.

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  5. A respeito de sentimentos:

    Eu não acredito em extravasar sentimentos. Eu acredito em contê-los, e a maneira que tenho encontrado é, justamente, a poesia.


    Sobre o que eu "estou tentando dizer":

    Minha poesia, em geral, trata de um único assunto: a linguagem, as palavras, a comunicação (ou a falta dela) e, logicamente, a poesia. Ou seja: meus textos pretensamente poéticos são meta-linguísticos. Talvez, olhando por esse viés, é possível entender um pouco melhor o que eu escrevo.

    Posso tentar explicar melhor, outra hora.


    Sobre "ter que escrever para os leitores":
    Temos que conversar sobre isso.

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  6. Meta-linguistícos: Sentimento falando de sentimento, poesia de poesia? Não entendi. :s

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  7. meu mar, em geral, é o mar mesmo, aquele feito de água e sal e movimento e infinitude...
    este teu mar, mr.v, me parece outro... um mar sem substância, um mar de sons, de palavras... entendo que toda a poesia se refere a isso: palavras... palavras vivas que se perdem depois de ditas - mortas? talvez... mas não se enterram palavras, como não se enterram poemas... jogam-se ao mar dos silêncios compartilhados...
    enfim, o poema todo me pareceu uma grande metáfora, linda...

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  8. Este poema é muito interessante.

    Essa a minha opinião

    Um abraço

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  9. Gostei muito do arrebatamento, da sensação de espontaneidade e do jogo de palavras.

    Abraço!

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  10. De certa forma, é vantajoso chegar com atraso. Reli o poema com a atenção devida e, "de quebra", conheci os comentários dos colegas e algumas considerações do autor.

    Percebo que Volmar é muito centrado ao escrever. Tem opções clara e previamente definidas: não utiliza iniciais maiúsculas, emprega pouquíssimos sinais de pontuação e possui como tema predileto a própria linguagem. Escreve para conter e não para extravazar os sentimentos; para ou por si, independentemente de agradar os leitores.

    Questões de estilo e de entendimento da própria obra. Não cabe a mim ou a quem quer que seja discuti-las. (risos) Até porque, ao que me parece, seria em vão.

    Atenho-me, pois, ao "Funeral marítmo". A grafia foi escolhida/criada ou houve erro de digitação? Estranhei o fato de ninguém ter comentado a respeito. E minha pergunta é cabível, pois vejo que o autor usou crase na expressão "a bordo". A Fátima, inclusive, já havia falado sobre isso. Foi intencional?

    O começo do poema é fabuloso! Volmar chega até mesmo a sugerir a própria morte:

    "grito

    um gosto salgado
    nauseante
    chega-me aos cantos da boca
    (...)
    por um vento inconcebível
    vago à deriva
    jogado pelas correntes
    possivelmente louco,
    temeroso, mas ciente do meu destino
    renego os nomes que carrego"

    Mas não. A morte não foi sua. Ele se consola ao lançar as pobres defuntas ao mar. E o vento é a companhia que o leva adiante, apesar do pesar...

    O poema, a meu ver, encontra seu ápice em:

    "tudo aquilo que cai no mar
    torne-se, vivo ou morto,
    também o mar"

    Daí, imagino, o porquê do título "funeral marítimo", apropriadíssimo.
    O mar velado ao relento.
    O autor levado pelo vento.

    Muito poético, Volmar! Parabéns pelo excelente texto!

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  11. Mr V. parabéns pela composição. Vamos começar dizendo que senti esta poesia profundamente pq sou bem fechada qto sentimento. Demonstração de afeto no meu entender são atos e não palavras.
    Muito virginiana mas sincera, este poema praticamente é o arquétipo da forma de amar do virginiano. Profundamente consciente, seguro, analítico... Falar é outro assunto mas a descrição do que vai na alma é perfeito.
    Noto um crescimento em sua poesia mas como voce é um poeta de experimentos e ousadias, não sei precisar se é mais um...mas está perfeito.

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