quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Marasmo


 

galopa a superficie ainda

ondeando de um ponto distante

irrompe no branco da areia

a espuma que na praia avança

 

a trote o mar devora as dunas

e aos poucos todo o continente

e ainda mais pacientemente

engole a neve das montanhas

 

não existe mais praia nem rocha

princípio nem fim, tudo inteiro

um tudo mesmo interminável

 

ocultos sob o infinito

repousam em profundo marasmo

um coração e um mundo vasto





Sedução


 

 

 

em ti escorro, me derramo e aquieto

murmuras algo feito quente e macio

dá-me teu núcleo noturno e delicado

 

como os tolos que seduzes

e a cada hora, maldita, bendita,

ora me abandonas e novamente amanhã

 

se vais, respiro o que restar de teu hálito

 

espalho em mim um fio de teu suor




Do caroço de uma hora (A essência das horas)


 

 

 

do caroço de uma hora

extraí a substância vítrea

oleosa

fugaz como a vontade

etérea como a sensatez

 

em nenhum recipiente

pude contê-la a contento

escapava sempre um tanto

às vezes muito

quase sempre dobrava de tamanho

e assim, aos poucos

às gotas

às partículas

preencheu o espaço

tão meu conhecido

 

era sedutora, envolvente

a bruma que nascia

pois era bruma

era um vapor invisível

que fez sumir as paredes

a paisagem da janela

os hábitos convenientes

e os meus pés

 

sim, por dias

se ainda lembrava o que eram

fiquei sem vê-los

 

deixei-me entregue

à essência do caroço das horas

inalei, comi, bebi

despi-me

e assim, despido

cobri-me inteiro com ela

 

não era dor

era antes um frio

das pontas dos cabelos até a boca do estômago

enredou-me

dentro e fora de mim vivia aquilo

impossível conter

e mesmo quando do fundo da garganta

nasceu o último murmúrio

a coisa cristalizou-se

virou gelo

rocha

diamante

vidro

 

era o vidro em mim

o vidro das horas

- o vidro das raízes do tempo

de toda árvore vítrea que é o tempo

da seiva vítrea

sangue do que não se vê –

era o vidro em mim

não mais nas horas

não mais preenchendo os vãos

entre as partículas da poeira

do tecido das estrelas

era o vidro em mim

deixou de ser essência

primordial ou quintessencial

era em mim

era eu

 

e

como é próprio das coisas

nascidas ou tiradas

da árvore que dá os frutos do tempo

o vidro que tinha a mim cristalizado

sumiu

 

voltaram as roupas

as paredes, as janelas

a paisagem

os sapatos

 

da essência das horas

restou só

uma gota

escorreu-me pela testa até a ponta do nariz

intempestiva

decidida

livre

lançou-se no espaço

num mergulho que só eu percebi

até o choque derradeiro contra o piso

 

saí

fechei as janelas, tranquei as portas

segui como pude

vivo como consigo

 

ainda lá está, intocado

o piso onde caiu a última gota

da substância vítrea

oleosa

extraída do caroço de uma hora

 

tinha a esperança que

onde a gota caiu

pudesse brotar outra árvore

com um tempo diferente

quem sabe misturado

a um tanto da poeira

dessa poeira que sou eu







A fonte das coisas imperfeitas


 

 

 

na criação do Universo

de inconcebível perfeição

alguém esqueceu de cobrir um buraco

 

nesse mesmo buraco inocente

caíram – ou foram jogadas –

todas as coisas que não deram certo

 

de tanto derrubarem lá

o que não funciona direito

acabou ficando cheio

 

se um dia a misericórdia

permitir que alguém o encontre

e, pior, se puder consertá-lo

 

será o fim da ciência

do amor, da poesia

e de todos os nossos medos

Esquecimento


 

 

i.

 

ecoa em cada quadro dessa galeria

a justeza por que caminho,

e a aspereza do alheio

 

as mãos que não trazem calos

os impossíveis desapegos

um panorama do que não possuo

 

a perfídia do leito

cada hora perdida

cada fio de cabelo

 

os princípios e os fins

as cãibras, o suor

o cheiro de noite e os sonhos

 

a tortura, a morte, a dor,

o rancor e a solidão

o que de mim não se enamora

 

sussurra uma voz com cheiro velho

“ouço estrelas”, sabe-me o destino todo

fujo


 

 

 

ii.

 

persegue-me insistente o eco

que ecoa e ecoa e ecoa

nesse templo vazio e oco

 

buscam-me mortas

as coisas, mortas as horas,

as letras, mortas

 

o nunca, o nada, o pó

de uma rua velha, numa casa velha,

num mundo invisível e velho

 

ainda desperto ante o corredor

áspero e poeirento

sinto a frialdade do seu hálito

 

em cada quadro dessa galeria

ecoam o velho e o sono,

ecoam o verbo e o verso

 

vencido, desisto da fuga

devora-me uma fome urgente que não tem nome

sou engolido pelo torpor do esquecimento






sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

ser e não ser

ser poeta é ser louco
é ser normal
é ser e/ou não ser

ser poeta é viver
é sentir, é amar,
se quisera: escrever.

ser poeta é ser você
e quem sabe o leitor
é não se esconder em frases bonitas
métricas
ser poeta é ter vírgula
ou não ter
é deixar livre
pra entenderem o que quiserem ler

é escrever feio e sentir lindo.
é escrever frases incertas,
quissá corrigíveis.

é ser ridículo e ser lindo
é ser triste, muito triste
é ser feliz
felicíssimo.

é falar o que tu queres ou não ouvir
é retratar com fidelidade o que estar a sentir
é não ter número, acento, tempo, gênero, nem escolaridade social.
ser poeta é ser e não ser.

ser poeta é ser seu mestre
é saber, ou não, falar
é falar sem saber
é sentir certo e escrever erado

é ser minúsculo
é sentir, retratar, viver.
é ser maiúsculo.

poeta é não ser e ser.
ser poeta é.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

S[ó] Free

Não fale! Viva!
Não fale! Mostre!
Não fale! Faça!
Quem fala... Sofre.

Sucesso alheio em nada agrada,
A inveja não engorda,
Nem mata.

Pra sofrer escolha os melhores.
Se a todos ama, sofre.

Não fale! Viva!
Quem ama, sofre.
Quem cala, cresce.
Quem é justo morre.

Retrocesso



Pele escura e alma clara,
Vivia da agricultura, da pesca e da caça.
Inserido em uma bela sociedade familiar;
Tinha força, garra, fé e sabia amar.
Apreciava milho, amendoim, feijão, mandioca.
Tudo que a terra fornecesse à oca.

Não conhecia a cabra, a ovelha, a galinha, a vaca.
Surpreendeu-se com bichos alvos de olhos resplandecentes,
Que diziam ser de pura alma e com fé atraente.
Esses mesmos que deram nomes a inocentes.
Trocou humildade por espelhos,
Identidade por colares.
Caminha já dizia;
“Certamente esta gente é boa e de bela simplicidade.”;
Ticuna, Guarani, Pataxó, Caiangague.

Inocente, deu a vida por uma fé falsa.
Por conseqüência há avanço em várias áreas
Hoje temos medicina e informática;
Ondas de doenças e pragas.
Poluição psíquica, pouca vida.
Desordenado progresso, muita máquina.
Nomeação de direitos, deveres, amor, coração e alma.
Antes nem nome tinha, e tudo funcionara.

Poderia andar despido
De alma limpa e à natureza apreciar.
Mas perderia a vida ou tinha pena a pagar
Constrangeria meus irmãos, mediante ‘violência,
Atentado ao pudor, streaking.
O que é benevolência?

E a minha utopia a estrear;
Sonha o dia que o homem inventará
A máquina que na história voltará
Para dar vida a esse lugar.

Verso Moderno

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Sem Métrica - Tatyanny Nascimento



Ficava a imaginar
Se loucos amavam,
Ou se amavam porque eram loucos.

O que levaria alguém a cometer suicídio?
Que instantes tão loucos,
Sentimentos que ninguém relatou.

Será que morrer é melhor que viver?
Ou amar é pior que a dor?

E se amar é viver...
Por que Cristo morreu com tanto amor?

O amor bloqueia o pensamento
Está fora da razão,
Do nexo e do contexto.

Do muito que vivi, do que acho que aprendi.
Deste pouco que nada sei
Nessa vida cética, sem rima, sem métrica.

E agora, onde estou?
A beira de um suicídio!

Mas por gostar de desafios;
Amanhã serei a mesma que hoje sou.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

proparóxi-poetando

ânimos
plácidos

sólidos
flácidos

mágicos
místicos

tônicos
fálicos

plásticos
úmidos

tímidos
cálidos

sílabas
átonas

bêbados
trágicos

óperas
bélicas

lapsos
tácitos

na metrópole cínica
não há pássaros
não há música
e meu cérebro ávido capta
proparoxítonas típicas

entre sinapses míticas
e memórias elípticas
lágrimas lívidas
nas páginas vívidas

vertigem

só,
a ponto de falar com os retratos
só,
de não se achar no mundo vasto
só de tudo
sem ninguém
só seu corpo
numa escada
espiralada
que só desce
para o nada

nós

não me perca

não me deixe
escorrer-te pelos dedos
me segure, me retenha

me seduza, me conquiste
seja a vírgula, seja o ponto
me ame, me ate, me capte

não permita que eu
- mais uma vez -
escape…
`

sem palavras

debruço-me sobre o dicionário
de A a Z vou percorrendo
palavras sobre palavras:
amor, bondade, carinho
devoção, estima, filia...
nenhuma me serve
nenhuma faz sentido ou rima
nem completa o pensamento
que, mudo, dentro de mim toma forma
ganha cor e perde as margens
capta-me todo o corpo pelo avesso
e, de dentro para fora,
me despe e transparece
aquilo que sinto e não nomeio
o que, mais real que a realidade,
me permite ser por inteiro
ainda que partida ao meio.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A distancia que nos separa- Giselle Sato






Aos primeiros acordes da manhã, o vento sopra suave

Seu nome

Lembrando que o dia é apenas um intervalo de tempo

Não impecilho

E sei que breve estarei em seus braços, em abraços e laços

Tranquila e amada

Beijos sonhados nas tuas mãos que prometem em toques

Despertar, conduzir...libertar

Somos as eternas crianças que nosso riso embala, temos o dom

Da inocência que a vida nos negou

Então, meu amado não pense no passado que já está distante

É ‘’finito’’

Lembranças sim! Boas e felizes, jamais a nostalgia amarelada

Amarfanhada em teias amarradas

Beleza, juventude, estados d’alma são partilhadas com generosidade

E resgatados com amor

Meu ninho, te aninho em meu colo e te peço: Olhe adiante e me dê a mão. Sou o futuro com sabor
de fruta recém colhida
Doce textura, formas em gomos fartos...que te sacia plenamente.