quinta-feira, 12 de março de 2009

Janelas

Todos os dias
da janela de minha casa
janelas escuras
apagadas

Já é tarde
é noite, é madrugada
e hoje janelas claras
acesas
do outro lado da rua

Lá dentro
algo aconteceu
Pessoas preocupadas
deixam suas janelas
iluminadas
Alguns andam
em círculos, em vão
vão de lado a outro
O outro está sentado
indignado
"como pode?"
Pode chorar
é válido
é o que faz alguém
no canto da sala
Agora só resta
aquele que reza
e pede conforto
ou uma luz, que sai
pelas janelas
daquela casa.

Night Windows, Edward Hopper

4 comentários:

  1. Paisagens urbanas. Poema de fôlego. Complicado de resolver esse espelhamento .
    A ordem predomina nas cidades. São tantas janelinhas acesas, outras apagadas...poderia ser o caos se todos ficasse, de uma só vez, indignados.
    a reza e a luz saindo pela janela formam uma imagem magnífica como restos na madrugada.

    a ilustração é perfeita.
    Vc conhece arte!

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  2. janela indiscreta do poeta que observa a vida lá fora... poeta hitchcochiano que se põe a desvendar o sofrimento do vizinho... poeta freudiano que se põe a interpretar pela janela (da alma? o olho azul do outro poema?) o que se passa na casa (mente) vizinha (do outro)??
    caio, acho que vou ter um colega de trabalho logo logo... rsrsrsr
    muito bom este tbm!

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  3. Hum... este é meio misteriosos. A grande sacada dele é não dizer o que aconteceu de fato. Ficamos apenas com a visão parcial do eu-lírico/narrador, que parece não ver tudo o que acontece.
    É uma metáfora interessante sobre acontecimentos sociais, como vemos o outro e a dor do outro.
    A maneira como foi escrito, a meu ver, deixa o poema quase como uma prosa descritiva.
    Talvez pudesse ser melhor explorado o jogo de palavras.

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  4. Gostei menos desse poema enquanto um... poema, mas gostei sobretudo de alguns recursos - já que leio os poemas dos colegas com olhos também de quem os escreve, e depois, copio-os sem pudor algum (a Marcia que o diga: foi dela que roubei as abolição das iniciais maiúsculas e a escassez de pontuação...).

    O recurso de que falo são esses "ecos":

    "Alguns andam
    em círculos, em vão
    vão de lado a outro
    O outro está sentado
    indignado
    'como pode?'
    Pode chorar
    é válido"

    É bonito ver isso: as mesmas palavras, emparelhadas na "declamação", separadas em dois versos, evidencia o trabalho sobre a escrita. Algumas como "[em] vão (locução adverbial)/ vão (verbo)", e "outro [lado] / [O] outro [ser, observador]" possuem sentidos diferentes mas, juntos, colaboram para construir a imagem evocada: quem observa da janela de cá, e o observado na janela de lá.

    É importante utilizar-se desses jogos nos poemas, porque a metáfora não só pode, como deve construir-se em tantos níveis quantos forem possíveis: sintático, fonético, e, obviamente, semâmtico. E, por que não - como é o caso - visual? Faz parte desse ofício experimentar, e ver no que vai dar.

    Uma questão que acho de importância secundária - talvez você nem concorde - é que a estrofação parece ter ficado esquisita ao publicar o texto no blog. Há algumas iniciais maiúsculas, que entendi serem inícios de estrofes, mas que aqui, parecem ser apenas uma. Eu acharia mais interessante seguir essa divisão, que resultaria em sete estrofes, e não apenas três, como aparece aqui.

    No fim das contas, ainda nem falei sobre o que entendi do poema. Bem, outra hora eu falo. Mas, num nível bem superficial, quem nunca se sentiu assim? Espiar a vida alheia, imaginar o que se passa lá, enternecer-se pelos desconhecidos? E mais: reconhecer em si próprio, como "espiador", que só tem acesso à sua própria imaginação, e não ao que acontece de fato na janela do outro lado da rua. É o que me transmitiu a última estrofe (se é uma estrofe...)

    "Agora só resta
    aquele que reza
    e pede conforto
    ou uma luz, que sai
    pelas janelas
    daquela casa."

    E quando é que há outro além de "aquele que reza e pede conforto"? A gente até olha, e deseja a luz das outras casas, mas estamos sozinhos nessa.

    Achei isso tão triste...

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