quinta-feira, 12 de março de 2009

Gotas

feito nuvens de verão
estendidas no varal
descansam roupas brancas
donde pingam
lentamente
a denúncia do árduo labor
de lavar a sujeira, o suor
e a dor.

Lavadeiras, Portinari

6 comentários:

  1. Gotas roupas. E brancas. Ao afirmar serem elas a denúncia de exploração de trabalho, vc dá um sentido social ao poema. Acrescenta sentido na mensagem.
    Gostei, Caio. E esse começo, em que vc utiliza Feito...em geral eu me atrapalho porque coloco como e detesto. Excelente saída essa.
    só uma dúvida com a palavra "donde" (eu estranhei).
    A ilustração do poema é perfeita.

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  2. quem são essas mulheres que lavam a dor? mães? médicas? anjos? roupas brancas como nuvens, ou nuvens brancas como roupas? um poema que tem como epígrafe uma pintura... muito bom, mesmo, esse teu modo de captar uma arte e transforma-la em outra!

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  3. Interessante trabalho sobre essas figuras clássicas da realidade brasileira: as lavadeiras.
    O poema é curto e singelo. Carregado de certa crítica social, mas sem forçar a barra. A meu ver, atingiu o ponto certo, Caio. E a pintura do Portinari combinou demais!

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  4. Artesobrearte, arte².
    Já o conhecia... (seu blog)
    Gosto bastante do seu modo de escrever,
    consegue passar uma mensagem profunda
    em versos singelos ( como supracitado).
    Lavadeiras que lavam dor, que pingam sujeira e lavam suor...
    Descansam tão somente nesse branco (ou não descansam).
    Gostei, gostava, gostei novamente...
    Bastante!

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  5. A poesia do Caio é, como diz o próprio, seca. E pela secura, engana-se o leitor ao pensar que se trata de uma poesia simplista - o que geralmente acontece com os que optam pela simplicidade e a economia.

    Em poucas palavras, "Gotas" apresenta um recurso poético interessante - a metáfora por alusão, já no primeiro verso:

    "(roupas estendidas no varal são) feito nuvens de verão"

    Essa alusão indireta é simples. As lavadeiras fazem em pequena escala o que a chuva faz em grande escala: "... lavar a sujeira, o suor e a dor". A beleza disso está na comparação de magnitude entre o imenso (a chuva sobre o mundo) e o finito (a lavadeira e as roupas das pessoas).

    Outro recurso interessante é a aproximação dos termos pela rima: ao encontrar a semelhança fonética de "labor", "suor" e "dor", encontra-se, associam-se essas palavras também semanticamente. Assim, o trabalho árduo da lavadeira limpa o "suor" do trabalho de outros que, como ela, sofrem das mesmas "dores". Essa alusão está bastante clara.

    Mas, e a chuva? Aí entra o dado histórico, que é onde o texto (e o poeta) inserem-se e dialogam com o espaço-tempo. Presença constante na poesia do Caio, a seca e o sertão são matéria-prima para seus questionamentos e, especialmente, suas metáforas. No caso deste "Gotas", pude entender que o "trabalho árduo", análogo ao da lavadeira, é o da natureza: é a muito custo que se formam as brancas nuvens de chuva nesse cenário. E é com sofrimento que essas nuvens se derramam sobre a terra, lavando-a inteira da mesma "sujeira", do mesmo "suor" e da mesma "dor" por que passam os homens.

    A metáfora por alusão, aproximam o olhar de poeta - e assim, do leitor - em dois níveis, macro e microscópico, amplos o suficiente para ser possível perceber-lhes as diferenças (de dimensão, de amplidão) e as semelhanças. Essa comparação só é obtida pelo trabalho sobre a linguagem: o que é evidente está no texto; o que é sutil brota do texto, mas faz brotar também do leitor. E, como é também traço característico de Caio, é a realidade que se mostra poética, a presença do real no imagético que cria suas melhores metáforas. E seus melhores olhares, críticos, sobre esse real.

    Gostei muito.

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  6. Adorei!... Lindo demais o espaço de voces!!! Fantástico!!! Parabéns por cada poema!

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