Imagem: Dave McKean
À madrugada que me seduz
Com seu silêncio e pouca luz
Foi só pra ti que eu compus
Este pequenino canto
Pois já não sei te fazer jus
Com meu sonhar, meu ar
Meu pranto
Em tuas curvas, meu fascínio
Em teus murmúrios, meu delírio
Hipnotiza-me o teu brilho
Este poema é mais um filho
Desta paixão: doce martírio!
Que me condena e me conduz
Ao teu silêncio e pouca luz
A ti estou presa, sedada, selada
Fadada e mimetizada
Teu chegar faz de mim um nada
E o teu partir, menos ainda
Oh madrugada, porque és tão linda?
Caio sempre em teus encantos
Tão conhecidos e desinibidos
Já te pertenço há tanto e tanto
Levaste o riso, deixaste o pranto
Largado em um canto qualquer
Suplicando e rastejando
Pela migalha que de ti vier
Madrugada: cruel e linda
Tu só podes ser mulher!
E o teu silêncio me conduz
Oh madrugada: me seduz!
A sedução que a noite exerce é um tema que me agrada muito. A noite que tento cantar não é, eu sei, a mesma que outros poetas cantam, como não é a mesma que é cantada neste poema aqui.
ResponderExcluirÉ exatamente essa diferença, entre a "minha noite" e a "vossa noite" que o eu-lírico traz logo nos primeiros versos da canção:
"À madrugada que ME seduz / Com seu silêncio e pouca luz / Foi só pra ti que eu compus / Este pequenino canto"
Não é a toda as madrugadas, mas àquela que seduz o eu-poético. E a essa sedução, como a um amante, o eu-lírico, que se reconhece enquanto poeta, compõe.
Sabendo-se o poeta da madrugada, e dependente dessa relação de "amor", que o eu lírico diz:
"Este poema é MAIS UM filho / Desta paixão: doce martírio!"
Um poema lírico e noturno, como os melancólicos textos do chamado "Mal do Século" do romantismo, de poetas assumidamente apaixonados pela noite, pelo mistério, pelas agruras de uma vida sem riso, em que rasteja pelas migalhas de atenção da linda noite.
Esse sofrimento, que não é o mesmo que eu, enquanto poeta, e também como leitor, reconheço na noite; mas percebo em mim o fascínio, a atração irresistível, e talvez, o mesmo ímpeto criativo que ela exerce sobre mim.
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No que se refere às questões "formais", fica claro que a poeta busca incluir rimas, e que o ritmo é natural, sem preocupação com métrica - o que é digno de atenção.
O poema flui, sem que os versos estejam rigorosamente - ou intencionalmente - enquadrados em uma métrica. Isso não significa que não haja ritmo, uma vez que há um ritmo. E é um ritmo solene, de notas curtas, melancólicas.
A esse ritmo, soma-se a fonética: o poema é praticamente todo ele com vogais fechadas, especialmente nas rimas em "O" e "U(s)". Um detalhe interessante, em que há um "crescendo" impetuoso, em que o eu-lírico mostra-se em êxtase de paixão pela noite, em que as vogais "abrem-se" em "A", "E" e "I":
"A ti estou prEsa, sedAda, selAda / FadAda e mimetizAda / Teu chegAr fAz de mim um nAda / E o teu partIr, menos aInda / Oh madrugAda, porque És tão lInda?"
Esses elementos denotam a intimidade do poeta com a linguagem poética, que sem rigores técnicos, cria um poema rico e expressivo.
Esta não é a "minha" madrugada, mas certamente, é tão encantadora quanto.
"Esta não é a "minha" madrugada, mas certamente, é tão encantadora quanto."
ResponderExcluirQue bom, que tens a tua V.
Tira o olho de cima da minha - "This is my precious - my precious!"
heheheh
Beijus
É o amor à noite, à madrugada.
ResponderExcluirGostei da sonoridade, do ritmo, das rimas e do tom melancólico.
O tema me apetece muito!
muito bonito... engraçado pensar numa madrugada personificada... eu sou um ser do sol, mas acho bonita essa captação que vc faz da parte escura dos dias...
ResponderExcluirJu, atrasada para comentar, li seu canto encatado, veludo puro, ternura absurda pela madrugada que também me fascina. E vc o fez com a coragem de rimas completas sem cair na dureza do rimar por rimar. E esta madrugada assim tão sedutora é , de verdade, apaixonante, apaixonada. Gostei dela.
ResponderExcluirA entrega com que o eu-lírico declara-se é admirável. Foi o que mais me agradou no poema.
ResponderExcluirAlgo que, para mim, não ficou pleno foram as rimas. Aos meus ouvidos não caíram bem. Talvez um exercício interessante fosse deixar este poema sem rimas. A ver o que acontece...
Opinião é um troço interessante mesmo, né?
ResponderExcluirA Bea e o Carlinhos, por exemplo, disseram coisas totalmente inversas! Acho isso fantástico!
Na dúvida, eu deixo o poeminha assim, como está (pq eu também gosto dele) e guardo, com carinho, as sugestões do Carl. para os poemas matutinos futuros!
Agradeço a ambos (e aos outros colegas também) pelos valiosos comentários!
Beijus.