Imagem: Yoshitaka Amano
Sobre a bandeja de prata
Eu sou o prato
Nua e crua
Eu sou tua
Refeição
Sinta o aroma
Satisfação
A pele branca
De marfim
Toque o veludo
O cetim
Aprecie
Sacie
A fome
Sirva-se
Dentes e talheres
Sobre mim
Rasgue a pele
Corte a carne
Tenra
Beba o sangue
Quente
Saboreie
O líquido acre-doce
Que escorre de mim
Beba-me,
Antes que o sangue esfrie
Coma-me
Antes que a carne morra
Devore-me
Antes que já não haja
Mais nada
Pra provar em mim
E ao final
Erga a taça
Lamba o prato
Não deixe migalhas
Daquilo que um dia fui
Mortas e esquecidas
Sobre a bandeja de prata
Libidinosa, assim interpretei. Bela descrição do corpo.
ResponderExcluirEu pensei em um mero poema, se há meros poemas escritos pela poeta, sobre um grotesco banquete antropofágico, visando apenas chocar o leitor, ou buscar uma ênfase gótico-romântica, uma coisa byroniana de amor-e-sexo-vampírico. Há um bom tanto disso, sim, mas não é só isso.
ResponderExcluirPercebi algo nos versos finais do poema que me deixaram intrigado:
"Não deixe migalhas / Daquilo que um dia fui"
Certamente há uma implicação ontológica aqui: o eu lírico revela aqui que este "corpo que se oferece para ser devorado" não é, meramente, o corpo: é ele próprio, o "eu", a sua essência, qualquer coisa indefinida - mas representada pela carne, pelo sangue, pelos flúidos corporais que compõem o banquete - que define o "ser".
Há, também, um "tu" a quem o eu-lírico se dirige, e a quem é oferecida a carne-ser a ser degustada até o último naco. Esse "tu" é também indefinido. Tendemos a pensar nele, este "tu" como um amante - e que o "banquete", portanto, refere-se ao sexo. Porém, a segunda pessoa pode ser perfeitamente uma entidade não-pessoal: a noite, tão cara à poeta; ou a própria poesia. Assim, o banquete pode ser visto por outros ângulos, e a consumação da carne-ser pode também ser encarado como uma entrega, inteira, irrestrita, a esse ente misterioso e indefinido.
V. captou muitas verdades deste dilema que me acompanha em poesias, e que já traduzi em diversas formas e tons.
ResponderExcluirNeste o eu-lírico pede desesperadamente:
"Não se contente com pequenas porções de mim"
Os contatos supericiais, os rótulos, o corpo, a vida plástificada, enfim: tudo aquilo que mascára aquilo o que realmente somos.
E isso, não cabe numa bandeija de prata...
libidinosa, sim... sexista, não... muito bem traduzido nesse poema a idéia de libido - uma força de vida, passa pelo sexo, pelo corpo, mas vai além, toca o ser... e sua vocação, ao prazer e à extinsão...
ResponderExcluirgostei deste tbm.
Uma bela descrição... Digamos que os versos possuem terminações nervosas...
ResponderExcluirConseguimos ‘ingeri-lo’ ao tatear ( no meu caso; tatyar... :P). Você descreveu todas as percepções... Dá pra senti-lo.
Mas Abadinha... Se fosse:
‘Daquilo que um dia fui
Mortas e esquecidas
Sobre a bandeja [i]rasa’
Seria interessante para não haver a repetição ‘prata’.
Mas, ele já está belo.
És grande poetisa...
*sobre a bandeja rasa
ResponderExcluir(pensei que aqui funcionava o itálico... rsrsrs)
Eita beleza de poema erótico sem o mau gosto do explícito. Uma cálida cena de amor. entrega cheia de charme , graça . Moça, é muito bom!
ResponderExcluirQue mais dizer? que este é o terceiro que tem um quê de letra de música.
Fuxikaaaa
ResponderExcluirA repitação é proposital - nota o quanto eu trabalho com isso... eu gosto!
Assim como gosto de 'narrativas cíclicas', gosto dessa idéia nos poemas.
Início, meio e fim - no ponto de onde tudo partiu.
Beijuuus
Não sei quanto a outras interpretações, mas este poema mostrou-me sedução, luxúria.
ResponderExcluirVi um eu-lírico suplicante por amor completo, por alguém que o ame plenamente.
Este desejo intenso: o eu-lírico quer ser amado como se fosse ingerido pelo amante, se pensarmos nele como um processo digestivo, onde o alimento é processado e transformado na energia da vida, percebemos, então, a grandiosidade da entrega desse eu-lírico, que quer mais do que tudo amar plenamente para dar (e receber) vida - até que a vida o consuma e não reste nenhuma migalha sequer.
Sobre o mesmo verso inicial ser também o final, reparei que a Jú gosta disso mesmo. No outro poema "Sem razão" isso aparece com mais clareza.