quarta-feira, 8 de abril de 2009

Banquete

Imagem: Yoshitaka Amano


Sobre a bandeja de prata
Eu sou o prato
Nua e crua
Eu sou tua
Refeição
Sinta o aroma
Satisfação
A pele branca
De marfim
Toque o veludo
O cetim
Aprecie
Sacie
A fome
Sirva-se
Dentes e talheres
Sobre mim
Rasgue a pele
Corte a carne
Tenra
Beba o sangue
Quente
Saboreie
O líquido acre-doce
Que escorre de mim
Beba-me,
Antes que o sangue esfrie
Coma-me
Antes que a carne morra
Devore-me
Antes que já não haja
Mais nada
Pra provar em mim
E ao final
Erga a taça
Lamba o prato
Não deixe migalhas
Daquilo que um dia fui
Mortas e esquecidas
Sobre a bandeja de prata

9 comentários:

  1. Libidinosa, assim interpretei. Bela descrição do corpo.

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  2. Eu pensei em um mero poema, se há meros poemas escritos pela poeta, sobre um grotesco banquete antropofágico, visando apenas chocar o leitor, ou buscar uma ênfase gótico-romântica, uma coisa byroniana de amor-e-sexo-vampírico. Há um bom tanto disso, sim, mas não é só isso.

    Percebi algo nos versos finais do poema que me deixaram intrigado:

    "Não deixe migalhas / Daquilo que um dia fui"

    Certamente há uma implicação ontológica aqui: o eu lírico revela aqui que este "corpo que se oferece para ser devorado" não é, meramente, o corpo: é ele próprio, o "eu", a sua essência, qualquer coisa indefinida - mas representada pela carne, pelo sangue, pelos flúidos corporais que compõem o banquete - que define o "ser".

    Há, também, um "tu" a quem o eu-lírico se dirige, e a quem é oferecida a carne-ser a ser degustada até o último naco. Esse "tu" é também indefinido. Tendemos a pensar nele, este "tu" como um amante - e que o "banquete", portanto, refere-se ao sexo. Porém, a segunda pessoa pode ser perfeitamente uma entidade não-pessoal: a noite, tão cara à poeta; ou a própria poesia. Assim, o banquete pode ser visto por outros ângulos, e a consumação da carne-ser pode também ser encarado como uma entrega, inteira, irrestrita, a esse ente misterioso e indefinido.

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  3. V. captou muitas verdades deste dilema que me acompanha em poesias, e que já traduzi em diversas formas e tons.
    Neste o eu-lírico pede desesperadamente:
    "Não se contente com pequenas porções de mim"

    Os contatos supericiais, os rótulos, o corpo, a vida plástificada, enfim: tudo aquilo que mascára aquilo o que realmente somos.
    E isso, não cabe numa bandeija de prata...

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  4. libidinosa, sim... sexista, não... muito bem traduzido nesse poema a idéia de libido - uma força de vida, passa pelo sexo, pelo corpo, mas vai além, toca o ser... e sua vocação, ao prazer e à extinsão...

    gostei deste tbm.

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  5. Uma bela descrição... Digamos que os versos possuem terminações nervosas...
    Conseguimos ‘ingeri-lo’ ao tatear ( no meu caso; tatyar... :P). Você descreveu todas as percepções... Dá pra senti-lo.

    Mas Abadinha... Se fosse:

    ‘Daquilo que um dia fui
    Mortas e esquecidas
    Sobre a bandeja [i]rasa’

    Seria interessante para não haver a repetição ‘prata’.

    Mas, ele já está belo.
    És grande poetisa...

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  6. *sobre a bandeja rasa

    (pensei que aqui funcionava o itálico... rsrsrs)

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  7. Eita beleza de poema erótico sem o mau gosto do explícito. Uma cálida cena de amor. entrega cheia de charme , graça . Moça, é muito bom!
    Que mais dizer? que este é o terceiro que tem um quê de letra de música.

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  8. Fuxikaaaa
    A repitação é proposital - nota o quanto eu trabalho com isso... eu gosto!
    Assim como gosto de 'narrativas cíclicas', gosto dessa idéia nos poemas.
    Início, meio e fim - no ponto de onde tudo partiu.
    Beijuuus

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  9. Não sei quanto a outras interpretações, mas este poema mostrou-me sedução, luxúria.

    Vi um eu-lírico suplicante por amor completo, por alguém que o ame plenamente.

    Este desejo intenso: o eu-lírico quer ser amado como se fosse ingerido pelo amante, se pensarmos nele como um processo digestivo, onde o alimento é processado e transformado na energia da vida, percebemos, então, a grandiosidade da entrega desse eu-lírico, que quer mais do que tudo amar plenamente para dar (e receber) vida - até que a vida o consuma e não reste nenhuma migalha sequer.

    Sobre o mesmo verso inicial ser também o final, reparei que a Jú gosta disso mesmo. No outro poema "Sem razão" isso aparece com mais clareza.

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